O orçamento impositivo é uma realidade

O Orçamento Impositivo é uma realidade
Escrito por Nilton de Aquino Andrade

O orçamento impositivo é também chamado de orçamento mandatário. Trata-se de uma fatia do orçamento (1,2% da receita corrente líquida) que é composta por emendas parlamentares obrigatórias propostas por parte dos membros do Poder Legislativo sobre a Lei Orçamentária anual encaminhada pelo Poder Executivo, nos três níveis de governo, sejam eles o da União, dos Estados, Distrito Federal ou dos municípios. Foi um artifício ou instrumento criado pela Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015, a qual focou nas emendas individuais dos parlamentares que teve o foco na modalidade de transferência voluntárias. Estas dependiam da formalização de convênios, que delimitavam o escopo e condições da utilização dos recursos nos entes ou entidades recebedoras. O parlamentar, obrigatoriamente deverá destinar 50% dos recursos para a área de saúde, nos termos da CF art. 166, § 9º e 10º, podendo ser investimentos ou custeio.

Mais tarde, este instrumento orçamentário foi ampliado pela EC 100, de 26 de junho de 2019, que incluiu as Emendas de bancadas ou partidos, no montante de até 1% das receitas correntes líquidas realizadas no exercício anterior, com o fim de atender a temáticas ou mesmo regiões em comum.

Posteriormente adveio a EC 105, de 12 de dezembro de 2019, que autorizou a transferência direta de tais Emendas e apresentou duas formas de transferências aos entes federados, ou seja, por meio de “transferência especial” ou por “transferência com finalidade definida”.
As emendas denominadas de “transferência especial”, os repasses poderão ocorrer independentemente de celebração de convênio ou de instrumento congênere. Neste caso, tais recursos tornam-se incondicionados e pertencerão ao ente federado beneficiado no ato da efetiva transferência financeira. Esta medida reforça o pensamento de fortalecimento do pacto federativo porque prestigia a descentralização de recursos ao ente receptor e proporciona discricionariedade para aplicação dos mesmos. Para estas, caberá a fiscalização ao Tribunal de Contas jurisdicionado, às assembleias estaduais e às câmaras de vereadores.
Definiu-se que as “transferências com finalidade definida” adotarão o critério inicial de condicionamento, ou seja, vinculadas ao objeto da emenda parlamentar, inserindo a regra de que pelo menos 70% dos recursos sejam destinados às despesas de capital, o que antes independia se seria despesa de custeio ou de capital.
A diferença entre a “modalidade especial” em relação ao de “finalidade definida” é que, na primeira, o controle fica a cargo do sistema de fiscalização financeira do ente beneficiário, seja ele estadual, distrital ou municipal; enquanto no segundo fica a cargo do ente concedente.
Ressalta-se que estas emendas constitucionais alteraram os artigos 165 e 166 da Constituição da República, criando ainda o art. 166 A.

Tal artifício, visando entre outras funções o cumprimento de promessas eleitorais no nível federal, também foi instrumentalizado por alguns Estados da Federação, o que levou os municípios a tenderem por caminhar na mesma direção. Considerando as emendas parlamentares individuais e obrigatórias, cada membro do poder legislativo irá mostrar a sua força e canalizar recursos públicos para programas que não são priorizados pelo Poder Executivo.

As emendas visam uma maior garantia da execução do que propõem as leis orçamentárias, buscando o efetivo cumprimento e foi um avanço para o fortalecimento do pacto federativo. Há críticas no sentido de que este artifício beneficia os parlamentares, sejam eles senadores, deputados ou vereadores, que venham utilizar tais recursos com fins eleitoreiros e de busca de perpetuação no poder, mesmo porque estão levando até às suas bases eleitorais os investimentos que possam torná-los mais visíveis para a sociedade, e claro, muitas vezes desejado pelas comunidades beneficiadas.
O renomado Professor de Direito Financeiro, José Maurício Conti , em um artigo de seu site denominado Jota, afirma que:
o federalismo existe justamente para descentralizar o poder político, administrativo e financeiro, aproximando o governante do governado, facilitando a identificação das preferências e necessidades da população, com consequente melhor direcionamento dos recursos para atender os interesses locais. Fortalecem o princípio da subsidiariedade, pelo qual a preferência ao ente local para o atendimento das necessidades públicas deve ser a regra, e nesse sentido alinham-se as medidas que agora vigoram com a nova emenda aprovada.

No Congresso Nacional, a tramitação das proposições de emendas é apreciada pela comissão de Planos, Orçamentos e Fiscalização, que é mista e formada por deputados e senadores, para depois ser levada ao Plenário das duas Casas, obedecendo regras constitucionais e de regimento interno.

Deverá haver compatibilidade dos instrumentos de planejamento, porque o orçamento não pode ser aprovado sem tal característica, nos termos do art. 165 § 7º. Toda emenda parlamentar com a espécie impositiva deverá ser aprovada pelo Poder Legislativo durante a tramitação do Projeto de Lei Orçamentária. Cabe ressaltar que, até a promulgação da Emenda Constitucional 86, a Carta Magna não havia até então mencionado nenhuma expressão de participação popular nos instrumentos de planejamento, sendo os mesmos citados somente por meio de legislação infraconstitucional, como por exemplo o Estatuto das cidades por meio da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, em seu art. 4º e 44; e a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, em seu art. 48.

De certa forma, ao nosso ver, a instituição do orçamento impositivo vai na contramão das normas infraconstitucionais que tratam da participação popular, mesmo porque esta importante iniciativa não partiu da lei maior. Também, vai na contramão a gestão financeira a cargo do Poder Executivo que com seus recursos limitados congrega inúmeras outras demandas necessárias ao bem-estar da população, o que conforme CANOTILHO (2003) ‘’os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos’’, confirmado por PISCITELLI, 2007, P. 07, tratando da necessidade do equilíbrio das contas públicas e fazendo referência à LRF, quando se trata da “limitação de empenho e movimentação financeira, na hipótese de a realização da receita não comportar o cumprimento das metas de resultado primário e nominal”.

Entretanto, Dutra, et al, 2017, confirma estas assertivas, mas ressalta que devido ao percentual a participação do orçamento impositivo é “ínfima frente ao orçamento autorizativo”. Confirmando isso, citam a Teoria do Possível, decisão de iniciativa alemã, firmando a tese de que o cidadão só pode exigir o razoável do Estado, o Executivo com a sua discricionariedade deixa de executar programas, o que vem ser suprido pelo orçamento impositivo, cabendo parte das prioridades ao legislador, normalmente destinando-as para os seus redutos eleitorais. Salientam os investimentos em saúde e educação nas regiões do semiárido brasileiro e defendem ainda que “a ideia do orçamento impositivo de amparar as demandas sociais peculiares de cada setor regionalizado da sociedade é uma forma de executar as políticas públicas e garantir, ainda que de forma simplista, o mínimo existencial”.

Importante destacar que a legislação impôs um limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior como a base de cálculo da destinação dos recursos do orçamento impositivo do exercício em curso. Além disso, determinou que a metade do valor apurado teve direcionamento obrigatório para a implementação dos serviços públicos da área de saúde e que 70% de qualquer recurso seja aplicado em forma de investimentos quando a modalidade da emenda advir de “transferências com finalidade definida”

Considerando que muitos municípios ainda estão nos ensaios ou nas primeiras experiências com o tema, nesta direção, atendendo à necessidade de se colocar em prática tal metodologia junto ao instrumento de planejamento, recomenda-se, em três momentos distintos, os seguintes passos, para que o orçamento impositivo exista:

Momento 01 - Regulamentação das emendas parlamentares obrigatórias (orçamento impositivo):
1. Inclusão da figura “orçamento impositivo” por meio de Lei Complementar à Lei Orgânica e definição de limite, prazo, categoria de despesa que poderá ser inserida no mesmo, como por exemplo destinação 50% dos recursos para a SAÚDE, nos termos da CF art. 166, § 9º e 10º, o que equivale à metade da destinação dos recursos canalizados para a saúde.
2. Definição de regras para a elaboração das emendas parlamentares obrigatórias;
3. Definição de regras para a aplicação e execução das emendas parlamentares obrigatórias;
Momento 02: Tramitação e aprovação no Poder Legislativo
1. Discussão do orçamento nas comissões;
2. Identificação, por parte dos vereadores individualmente, de quais são os itens a serem atendidos pelo orçamento impositivo e que deverão estar previstos no Plano Plurianual, LDO e LOA com o objetivo de atender a demandas das comunidades que representa, devidamente aprovadas por meio de Emendas Parlamentares obrigatórias. Estas emendas precisam ser aprovadas nas comissões, ter numeração, autoria, etc. Cabe ressaltar que a LDO deverá ter um artigo que conste a obrigatoriedade da execução orçamentária e financeira.
Momento 03: operacionalização

1. Regulamentação por Parte do Poder Executivo dos procedimentos e prazos para apresentação, registro e operacionalização das emendas parlamentares individuais de execução obrigatória, com vistas ao atendimento do disposto no art. 166, §§ 9º a 18, da Constituição Federal, podendo ser utilizada como sugestão de consulta a Portaria Interministerial nº 10, de 23/01/2018.
2. Elaboração de planos de trabalhos ou preenchimento de formulário preestabelecido pelo Poder Executivo, dos itens a serem realizados com recursos do orçamento impositivo. A celebração de qualquer convênio, contrato de repasse, termo de colaboração, termo de fomento ou termo de parceria com organizações da sociedade civil dependerá do atendimento dos requisitos exigidos pela legislação aplicável a cada tipo de instrumento;
3. Divulgação por parte do Poder Executivo do cronograma de atendimento dos programas e ações a serem atendidos pelo orçamento impositivo, antes da abertura do próximo exercício;
4. Execução das ações com a finalidade garantir a efetiva entrega à sociedade dos bens e serviços decorrentes de emendas parlamentares individuais de execução obrigatória, independentemente de autoria. Em atenção ao Princípio da Anualidade Orçamentária, a data limite para celebração dos instrumentos é até o dia 31/12 do ano em que o orçamento viger.
5. Prestação de contas ao Legislativo sobre a realização dos itens do orçamento impositivo.
Logo, as emendas parlamentares impositivas delimitarão o orçamento anual e destacarão o que não poderá deixar de ser executado. Há uma necessidade de compliance neste processo, com medidas de integridade praticadas no sentido de aplicar os recursos conforme os projetos apresentados, atendendo aos princípios de eficiência, eficácia e efetividade.